O Réri Poter Brasileiro

Posted by Cronicas de Bebado on 01:15 in , , , , ,

Mais uma sexta feira. 6 horas da tarde, me preparo para ir ao trabalho. Sou o maior babalorixá do interior de São Paulo e tenho um segredo que pode atrapalhar minha carreira internacional.
Tudo começou em minha infância. Minha fixação por velas coloridas e com perfume preocupava muito minha mãe. Meu pai vivia dizendo que aquilo era perigoso. Mamãe, em sua eterna inocência, dizia que eu não iria me queimar, pois manipulava muito bem aquelas grandes figuras fálicas em chamas. Papai sabia o que falava.
Meu sonho era ser pai de Santo. Desde criança roubava uns vestidos brancos de minha mãe, colocava uma peruca de minha tia, acendia umas velas aromáticas e saia dançando e batucando no centro de um circulo formado por velas. Que delicia! As chamas balançando me deixavam hipnotizado e eu me contorcia mais que o Ney Matogrosso na época do Secos e Molhados.
Até que um dia, ao me distrair fazendo amor com minha namorada, usando velas e chicotes indianos, na empolgação ela deixou uma vela escorregar em mim. Não era uma vela qualquer, era uma vela de 7 dias, extra grande para tirar mau olhado. Fiquei entalado com a mesma. Que desgraça. No primeiro momento não me preocupei, mas quando a vela continuou queimando, literalmente, dentro de mim, exalando uma fumaça forte e densa em meu ser, meu organismo reagiu de forma estranha. Lágrimas corriam pelos meus olhos e meu corpo ficou tomado pela fumaça saindo pelo nariz e orelhas. Virei um macumbeiro defumado. Minha namorada tentou retirar o toco da vela que estava em mim, mas não foi possível. Fomos para o hospital mais próximo, que na questão estava sem um clinico geral. Chamaram então o Preto Velho para fazer o serviço. Com muita habilidade e um fórceps emprestado pelo hospital Macumbário de São Jerônimo do Preto Novo, onde fazemos partos e cirurgias espirituais, o Preto Velho conseguiu então retirar o entrave de dentro de mim. Esse é o hospital sócio da Clinica Estética e Oficina De Funilaria do Zé, onde fazem o melhor implante mamário e solda geral da cidade, e esse Zé faz uma macumba, aquele danado!
Sem a vela em mim, acreditei estar melhor e me preparei para voltar as minhas atividades macumbeiras diárias. Triste engano. Quando me preparava para fazer um trabalho para juntar um casal gay da região, acendi a primeira vela vermelha com aroma de framboesa picante, meu corpo empolou todo, inclusive meu piruzinho encruou. Fiquei deveras assustado com o piruzito encruado. Será que ele ficaria assim para sempre? O que seria de mim sem ele. Não consegui terminar o serviço. Deixei meu cliente na mão, literalmente. Achei que era um trauma passageiro, mas todavia, quando tentei acender uma velinha para ver se baixava o santo lá em casa, começou de novo. A empolação apareceu em lugares que eu mesmo desconhecia existir. Entrei em desespero e pensei em me matar. Como poderia ministrar meus trabalhos sem utilizar o meio de comunicação principal com os espíritos? Será que se eu usasse um “bizorão” para fazer a fumaça eles aceitariam? Um grande duvida tomou conta de mim. Seria esse o fim do grande sonho de minha vida: fundar a Excelsa Faculdade Universal de Macumba Brasileira pós moderna contemporânea? Precisava de ajuda urgentemente.
Criei coragem e procurei o melhor dermatologista / macumbista da região, falei de meu problema com velas e do meu piruzinho encruado, ele ficou preocupado. Mandou fazer diversas consultas com espíritos dos antepassados. Contratei o melhor pai-de-santo do Brasil, sr. Sagath Silveira, mas conhecido como Zulu do Candomblé. Dizia ele:
- Mizifio ta macumbado, mizifio.
- Mizifio ta precisado de um trabáio na berada do rio. Cum muita galinha preta e muito Natu Nobilis.
Fomos no dia indicado fazer o serviço, nesse dia descobri outra coisa. Sou alérgico também a galinha preta, mas só galinha preta, a branca já não tenho esse problema.
Como nos meus 50 anos de macumbária não tinha percebido que alguém tinha feito um trabalho dos fortes pra mim? Quem seria esse infeliz?
Passado isso, tentei voltar a minha rotina normal, um trabalhinho aqui, outro trabalhinho ali e segui meu caminho. Tentei trocar a galinha preta por um marrecão de banhado, mas não tinha o mesmo efeito, as velas eu troquei por fogos de artifício, mas geraram um certo problema, pois eles estouravam fora de hora, fazendo um barulho dos infernos que atrapalhavam o andamento dos trabalhos e assustavam os presentes.
Resolvi conversar com o Zé. Com toda sua experiência em macumbaria ele poderia me ajudar. Mas não consegui nada dele, apenas um conselho para colocar próteses de panturrilha e uma solda grátis no assoalho da minha Variant 72 que tava entrando água pelo fundo. A risada escandalosa do Zé quando contei meu problema me deixou preocupado. Quando ele riu o dia virou noite e começou a trovejar em cima de mim, seus olhos ficaram vermelhos e uma gota de um liquido verde, viscoso e denso, correu pelo canto da boca, acho que ele estava bem gripado.
Tive que contar a minha namorada o que estava acontecendo. Ela me deixou, com a certeza absoluta de que eu não tinha mais serventia nenhuma para ela. Chorei feito criança com um bongo na mão, recitando e batucando os mais tristes pontos de macumba que existiam. Lerê-lerê, Lerê-lerá.
Passado algum tempo, eu já estava começando a me conformar com minha situação. Busquei alguém para ocupar meu lugar no Terreiro e dar continuidade a minha sina. Deixaria meu legado a alguém tão capaz quanto eu. Precisava de alguém que fosse tão bom quanto eu no trato das galinhas pretas, no trabalho de juntar casais desesperados, curar unha encravada, cancro, sífilis e gripe suína. Iniciei uma busca incessante atrás de um novo Pai de Santo que pudesse continuar o que principiei.
Interessantemente, o Zé, meu grande amigo de macumbaria, se ofereceu prontamente, disse que aquele cargo estava a altura dele. Estranhei inicialmente a prontidão do Zé, pois ele nunca demonstrou interesse em tocar o negócio sozinho. Marcamos a meia noite de uma sexta feira 13 de lua cheia do mês de agosto para que eu pudesse lhe passar todas as especificidades do terreiro, pois mesmo com a experiência do Zé, haviam certos segredos que ele precisava saber.
Chegando no centro do Terreiro de macumba, pedi ao Zé que tirasse sua camisa, pois procurando Nemo não é uma estampa que agrade aos Pretos Velhos e ninguém queria atrair uma Pomba Gira naquela altura do campeonato. Para minha surpresa, de dentro do bolso da calça Levi’s branca que o Zé usava, caiu um sapo boi amazônico, de uns 3257 gramas, com a boca costurada com linha de pesca. Fiquei horrorizado, pois o Zé sabe que não podemos trazer o Sapo de uma macumba para dentro do terreiro em noites de Lua Cheia. Peguei o sapo na mão e me senti mal. Uma forte dor de cabeça tomou conta de mim seguido de náuseas agudas. Achei que fosse ter uma sincope. Esses sintomas só poderiam significar uma coisa. Aquele sapo era para mim!
Tomei coragem e quebrei uma das maiores regras entre os Pais de Santo do Mundo: Abri a boca do sapo. Meu nome, escrito em letras negras garrafais, estava lá. Maldito Zé. E o Pior, como abri o sapo de supetão, sem pedir que os grandes espíritos guias do cosmo sideral me auxiliassem, ao invés de quebrar o feitiço, dividi-o com Zé. Pelo menos agora não era só eu quem estava com alergia a velas, galinha preta e com o peruzinho encruado.
O dialogo que se travou a seguir é impublicável. Pressionei o Zé a me contar o porquê de ter feito aquilo tudo e ele explicou que sempre me invejou, usando de palavras de baixo calão para descrever toda sua magoa contra mim. Jurando vingança, Zé virou-se em pernas para fora do Terreiro. Desse dia em diante ficou travado a maior batalha espiritual de todos os tempos, que eu chamei de: 1ª grande batalha regional da Macumbaria.
Zé foi pra casa, dizendo-me que iria usar as magias proibidas de João do Candomblé, eu fiquei assustado, nunca ninguém teve coragem de invocar tamanhas forças ocultas. No amor e na guerra vale tudo, resolvi invocar o livro proibido do mestre Carcarutu. Jamais homens de bom senso ousaram usar forças tão poderosas e desconhecidas. O circo ia pegar fogo.
Passei dias me preparando, trancado no centro de macumba, estudando todos os pormenores do Livro. Precisava vencer o Zé de qualquer jeito e provar que eu era o melhor. Fui atrás de todos os ingredientes, muitos tive que importar ou negociar no mercado negro de Ruanda, dificílimo de conseguir.
Noite de lua cheia, fui a uma encruzilhada perto de um cemitério, juntei raspas de gônadas de pigmeus albinos com chifre de unicórnio selvagem. Misturei com óleo de peroba argentina, cozinhei por 24 horas em fogo altíssimo, feito com madeira extraída de Carvalhos centenários da Albânia. O Odor que predominava no ambiente mataria um Elefante. Me lembrei que não poderia esquecer do Olho de naja indiana de duas cabeças. A poção estava pronta, a obra-prima de toda a minha vida, nunca farei nada igual, anos de estudo e dedicação resultaram nesta garrafada, com certeza agora ele não iria mais poder mais fazer fiado em lugar nenhum.
Coloquei o produto num recipiente de Velho Barreiro, com uma camiseta preta, uma rosa com sal-grosso e uma foto dele com o rosto rabiscado e encaminhei a residência do Zé, esperando que ele tomasse tudo naquele mesmo dia. Ledo engano. O Zé, numa falsa bondade, chamou todos os amigos pra um churrasco com pagode em sua casa, e distribuiu copos e mais copos de caipifruta de Velho Barreiro.
No dia seguinte, o comercio local entrou em polvorosa, ninguém mais queria pagar suas contas, inclusive eu perdi meus melhores clientes que não queriam mais pagar seus trabalhos. A cidade começou entrar em declínio, muitas lojas fecharam e o município faliu e houve um êxodo. Para onde as pessoas iam mais e mais cidades quebravam. O Estado quebrou, logo houve um caos generalizado que se seguiu pelo Brasil a dentro.
A américa do sul faliu. O mundo faliu. E tudo era culpa minha.
Hoje sou miserável como toda a população do mundo, vivendo num barraco de sapé, junto com o Zé, onde dividimos um quarto. Continuamos brigando e achando que o culpado de tudo é o outro. E meu piru continua encruado.

FIM

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