LEOPOLDO, O GRANDE DIRETOR!

Posted by Juliano Marcos de Farias on 12:08 in , ,

Havia trinta e cinco anos que eu lecionava na mesma escolinha municipal do bairro, quando vi uma proposta que melhoraria minha vida. Fui ser diretor substituto da tal escolinha.

Era meu sonho de infância ter esse cargo e ser o imperador da escola. Agora, com meus 65 anos, poderia humilhar meus coleguinhas que diziam que eu não passava de uma rolha de poço, que era o ultimo a ser escolhido na educação física e que nunca seria ninguém na vida. Finalmente teria eles aos meus pés.

No primeiro dia, após minha posse, vesti uma fatiota elegante e fui trabalhar. Todos já me esperavam com um sorriso no rosto. Finalmente teria o reconhecimento que eu precisava. Ficariam para trás os longos anos de humilhação pelos alunos, onde tive meu carro pichado, os pneus esvaziados e meu corpo coberto de ovos por diversas vezes.

Agora eles iriam entender que a disciplina de IPT (Iniciação para o trabalho) era fundamental para o crescimento e desenvolvimento humano, ouso dizer até que seria essencial matéria para o vestibular e em todos os cursos de graduação na faculdade.

Adentrei a minha nova sala e todas as funcionárias me deram bom dia, antes elas me ignoravam e me espancavam, agora me tratam com amor e carinho que nunca tive em casa, nem por parte dos meus pais, nem do meu cachorro, nem dos vizinhos, dos alunos e nem do mendigo que fica na porta dessa instituição de ensino.

Minha primeira obrigação era de coordenar a equipe de limpeza dos banheiros. Convoquei as cinco faxineiras para desentupir os vasos sanitários. Elas não me deram bola e riram da minha pança. Me deram um tapa no rosto e me entregaram o desentupidor, dizendo que se eu quisesse alguma coisa deveria fazer eu mesmo. Vi que teria que tomar uma providencia urgente. Arregacei as mangas e fui eu mesmo por a mão no pepino marrom. Afinal, tinha que dar o exemplo. Fiz um ótimo trabalho, pena que minha roupa nova ficou coberta de fezes infantis.

Depois de 3 horas limpando os dois banheiros que atendiam a toda a escola, inclusive o corpo docente e a direção, chamei as faxineiras para mostrar como se faz um bom trabalho. Elas deram um tapa em minha careca e berraram a plenos pulmões: “Otáááááááriooo!”. Agora entendi, esse era o trote de recepção diretoristica. Acho que passei com folga no teste. Preciso descobrir se todos os Diretores anteriores tiveram a mesma nota que eu.

Voltei a minha sala com um sorriso no rosto e com o cheiro de um trabalho bem feito. E que cheiro! Meia hora depois um professor de educação física, rival a mim, entrou sem pedir e foi logo dando o abacaxi pra eu descascar. Joãozinho, o arteiro da escola, no alto dos seus 9 anos, tinha feito um complexo lança chamas caseiro com gasolina e nitrometano e ateou fogo nos amiguinhos no meio da quadra, matando 13 e deixando 29 gravemente feridos. Para piorar, o “brinquedo” do menino, possuía um elaborado sistema de lançamento de um concentrado de sal com álcool. Meu rival, ou melhor, um deles, me perguntou que providencias tomaria. Eu com toda minha sabedoria, vindo de longos anos de vida academica, falei que saberia contornar a situação: “Deixa comigo” disse eu. Chamei o moleque no canto e falei para ele pensar no que fez, que aquilo era coisa feia de menino levado e papai do céu não gosta. O menino me espancou com o mimeógrafo. Quebrou-me duas costelas e deslocou minha mandíbula. Dei uma punição severa, decidi que ele ficaria sem merenda por uma semana e mandei ele para casa.

Fui almoçar. Assim que entrei no refeitório, fui recepcionado por uma guerra de comida, feita pelos meninos do 2º ano. Em seguida, como demonstração de afeto, por eu ser o mais novo Diretor, todos começaram a jogar comida em mim, inclusive a merendeira, os outros professores, os pais dos alunos e o secretário de educação, que na ocasião, estava fazendo uma inspeção na escola. Desisti de comer e fui me lavar para tirar a imundície, lógico, depois de agradecer a todos pelo carinho demonstrado a mim.

Saindo do banheiro, fui recepcionado novamente pelos alunos, que programaram uma guerra de papel com saliva atirados de tubo de caneta BIC. Me cobriram inteiro e quase não conseguia respirar, pois os mesmos entraram por meu nariz, boca, ouvido e anus. Quando consegui liberar minha visão, me deparei com o secretário de educação, segurando uma bixiga recheada com urina e fezes, se preparando para atirar em mim. Que forma estranha de me dar boas vindas.

Cheirando a mijo velho e coco de ancião, resolvi voltar pra casa e descansar do meu exaustivo primeiro dia como diretor substituto supremo. Estava otimista, todos estavam reconhecendo o meu trabalho bem feito. Nunca antes na história do Colégio municipal vereador José Ruela, um diretor foi tão bem recepcionado.

Dormi feito criança, com a sensação de dever cumprido. No dia seguinte, me levantei todo empolgado, pois era o dia de apresentação da banda da escola. Coloquei meu melhor terno, embarquei no meu fusca e me dirigi a escola. Minha vaga estava ocupada pelo Audi A4 do Zelador. Tentei conversar com ele e explicar que aquilo era inadmissível e que eu queria que ele tirasse seu carrão de lá e colocasse na vaga de visitantes. Ele simplesmente riu de canto de boca e me deu um chá de cueca, saindo depois gargalhando descaradamente e fumando um cigarrinho. Gente estranha essa. Pus meu carro a dois quarteirões depois, pois estava tudo ocupado. Cheguei 16 minutos atrasado e diferente do que faziam com o outro Diretor, ninguém esperou por mim, tendo o zelador feito o discurso inicial. Quem conduziu a solenidade no meu lugar, foi um servente de pedreiro que estava fazendo uma obra na fossa da escola. Tive que ficar em pé no fundão.

Na hora em que a banda iniciaria sua gloriosa apresentação, resolvi me manifestar e pedi que tocassem Biafra. Acho que o Maestro não conhecia o artista, pois avançou em mim com a Batuta em riste, enviando-a na minha orelha. Logo não tardaram os outros músicos a participar da festinha. Tomei uma surra de tuba e oboé. Até hoje sinto uma clarineta na minha bunda. Minha flatulência está afinada em ré maior. Começo a desconfiar que eles não gostam de mim.

Depois desse vexame publico, corri pra minha sala para chorar no cantinho. Após duas horas de choro, a porta se abre e entram as secretárias com maquinas fotográficas na mão e gargalhando em voz alta. Enquanto uma me segurava as outras chutavam meu saco e as demais fotografavam as poses para por na internet.

Em meia hora as fotos já estavam na internet e eu já tinha 3500 fãs, aquilo me tranqüilizou, pois era um sinal claro de que alguém gostava ainda de mim. Minha mãe me ligou, gargalhando da minha cara e me informando que tinha imprimido as fotos e distribuído para as 72 senhoras do seu grupo de biriba. Todas estavam usando meus retratos como exemplo a não ser seguido.

Fui para casa pensando numa maneira de reverter tudo isso. Não dormi e passei a noite lendo o grandioso livro: Como ser Diretor de Escola Primária For Dummies. Com certeza ali teria respostas as minhas perguntas.

Fui trabalhar 120% confiante. Aquele refinado livro abriu minha mente e faria com que todos me respeitassem a partir de então. Coisa que nunca tive em toda minha vida, nem pelos meus Avós, meus tios, meu periquito, meu hamster e nem no lar dos idosos em que eu era voluntário. Agora as coisas seriam diferentes.

Entrei em minha sala e minha secretária colocou o pé para que eu caísse no chão. Me estatelei como uma velha gorda solteira tentando pegar o buquê de uma noiva. Aquilo não ficaria assim e me dirigi a minha mesa preparando em minha mente a demissão da individua. Nem pude sentar, o Superintendente de educação me esperava sentado em meu lugar, com os pés em minha mesa. Pensava que ele estava indo lá para falar do meu bom desempenho na condução da instituição de ensino, mas, estava com cara de poucos amigos.

O mesmo jogou em minhas mãos um dossiê com 530 paginas, onde eu era acusado de furtar 3,53 reais do dinheiro destinado a compra de doces para deixar no baleiro da recepção e em função disso estava sendo exonerado do cargo imediatamente, sem direito a aposentadoria e sofreria inquérito criminal o que justificava minha demissão por justa causa.

Chorei feito criança de joelhos, pedindo clemência e me oferecendo para lavar o carro o dele e engraxar seus sapatos caso ele me ajudasse. Como não o vi esboçar reação, arranquei minha calça e fiquei de quatro em cima da mesa, esperando que ele terminasse o serviço logo. Acho que ele não se interessou, pois disse que iria me processar por suborno e assédio homossexual. Ainda estava de quatro, esperando que minha posição o comovesse, quando entraram em disparada na salas as secretárias com suas câmeras em riste e seus sapatos de bico duro, dando chutes de campeão de Caratê entre minhas nádegas enrijecidas. Nessa hora me senti humilhado!

No dia seguinte, fui retirar minhas coisas da escola e tive que acompanhar a posse do novo diretor. Que para minha surpresa, era o servente de pedreiro que havia ganho o posto em função de ter feito um ótimo trabalho na fossa da escola. Me entristeci quando as secretárias, o Superintendente, o secretário de educação, todo o corpo docente e até o mendigo que ficava na porta da escola, fizeram fila dupla para beijar as mãos do novo Diretor, o encheram de presente, além de o abraçar calorosamente, dando os parabéns e desejando que ele conduzisse a escola tão bem, quanto conduziu a fossa. Sai de lá me sentindo derrotado e na portaria, fui chutado pelo novo servente de pedreiro, que gritou a plenos pulmões: Otááááário.

The End


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